A seguinte história ocorre em sete dias. Sete dias que viverão eternamente na minha memória.
Estávamos a jantar quando vi a María pela primeira vez. Ela parecia ser uma mulher comum.
No dia seguinte, encontramo-nos no ginásio logo pela manhã. Eu não conhecia a María e, até então, não tinha reparado em nada de especial nela. Como eu disse, ela parecia ser uma mulher comum.
A máquina de treinar costas do ginásio era diferente da que eu estava habituado, e foi então que falei com a María pela primeira vez.
Pedi para ela me ensinar a usá-la. Ela também não sabia muito bem, mas tentou ajudar, independentemente de tudo.
No segundo dia, a María ainda era uma pessoa normal. No terceiro dia, a María que eu conhecia morreu.
Ninguém sabe lidar com a morte. É difícil. Ficamos com uma dor no peito e questionamos por que a pessoa se foi. A María não morreu fisicamente, como é óbvio. O que morreu foi a ideia que eu tinha dela. Até então, achava que ela era uma mulher comum. Nunca tinha reparado em nada especial nela.
Antes de começarmos o projeto, todos tínhamos de fazer uma pequena apresentação sobre nós, dizendo de onde viemos, a nossa idade, o que gostamos de fazer, etc.
Na apresentação, um rapaz despertou a minha atenção. O nome dele era Victor. Ele disse que trabalhava com algo relacionado a Web3, um assunto que sempre me interessou bastante.
Eu nunca tinha conhecido alguém que trabalhasse diretamente com projetos de criptomoedas. O Victor seria a primeira pessoa, então ele era o único que eu esperava conhecer melhor.
Quando chegamos ao jantar, reconheci-o de imediato. Perguntei se ele era “the Web3 guy” e se depois podíamos conversar melhor sobre isso. Ele aceitou na boa.
Era um dia normal. Estávamos todos juntos na sala a trabalhar no projeto.
Eu, como sempre, estava quieto e dentro da minha própria cabeça, até alguém fazer uma piada.
Eu estava de frente para a María. Quando a piada chegou aos meus ouvidos, levantei o rosto para observar o resto do pessoal. A primeira pessoa que vi foi quem estava bem à minha frente: era ela. Encontrei a María sorrindo, e, nesse exato momento, a María comum morreu.
Eu nunca tinha reparado no sorriso da María. Ela sorria com felicidade, não apenas com os lábios e os dentes, mas com o coração. Sim, ela sorria com o coração. Dava para ver a bondade dela através do sorriso.
Hoje, quando olho para trás, o meu desejo é que a pessoa que fez a piada nunca tivesse nascido, que o banco onde estava sentado nunca tivesse existido, que eu fosse cego por apenas aqueles segundos, para não ver o sorriso da María.
A partir desse momento, começou a nascer uma nova María na minha cabeça. A María comum tinha morrido, e, na verdade, até parecia que ela nunca tinha existido.
A nova María era linda. Os olhos dela brilhavam como estrelas. O sorriso era capaz de derreter o coração de qualquer homem. A nova María era sexy. Eu nunca tinha sentido tanta atração sexual por uma única mulher.
De um momento para o outro, a María tornou-se tudo o que eu queria. Ela virou a mulher dos meus sonhos. Eu tinha que lhe dizer. Não conseguia aguentar todo esse sentimento. Ela tinha que saber.
Estávamos no carro. Criei um bloco de notas com o título “María” e disse-lhe que ela tinha um sorriso muito lindo. Tentei dizer em espanhol, mas estava tão errado que fiquei com vergonha de continuar a conversa.
Naquela mesma noite, enviei-lhe uma mensagem a dizer que queria falar com ela. Ela respondeu e aceitou. Fomos à beira da praia, e foi ali que vivi um dos melhores momentos da minha vida.
María era perfeita. Ela chegou com aquele sorriso lindo, sem fazer ideia do que estava a acontecer. Caminhamos para perto da praia.
Eu já tinha preparado o que queria dizer. Escrevi em espanhol. O meu espanhol era horrível, mas eu queria que ela entendesse perfeitamente o que eu sentia.
Na minha pequena carta estava escrito:
“Me gusta tu sonrisa y el brillo de tus ojos. Cuando veo tu rostro, siento una felicidad en mi corazón por la energía que me transmites. Podría pasar todo el día sentado, simplemente admirando tu rostro y tu belleza, porque creo que, al mirarte, veo una de las cosas más bonitas del mundo.”
Foi muito difícil transformar em palavras o que eu sentia por ela. Isso foi o melhor que consegui, e pareceu que ela gostou da minha declaração.
Em agosto de 2022, Bad Bunny lançou o álbum Un Verano Sin Ti, o meu álbum favorito nos últimos três anos. Ouço-o todos os verões.
Nesse álbum, há uma música intitulada “Ojitos Lindos”, a minha música favorita. Sempre gostei dela, mas nunca soube exatamente por quê. Gostava de ouvi-la ao pôr do sol.
Quando eu e a María estávamos à beira-mar a conversar, pensei que finalmente podia dedicar-lhe essa música. E, coincidentemente, ela conhecia a música.
Pedi-lhe para a cantar para mim. Ela não entendeu porquê, mas cantou mesmo assim. E isso foi a coisa mais linda que já ouvi nos meus 23 anos de existência. Eu podia ouvi-la cantar até ao amanhecer. Foi um momento perfeito. A voz dela era graciosa e ela cantava com um sorriso no rosto. Era uma bala dupla para o meu coração.
Eu estava à beira-mar com a mulher mais linda que já conheci. Ela estava a cantar a minha música favorita, os olhos dela brilhavam como estrelas, o sorriso era mais radiante que a luz do sol. Não consegui resistir. Tentei beijá-la.
Lembram-se do Victor? O web3 guy?
Num dia normal, estávamos a sair da sessão e, ocasionalmente, conversávamos os três: eu, Victor e María. Para minha surpresa, descobri que o Victor era irmão da María.
Perguntei-me: “Como é que só estou a saber disso agora?”
Se eu soubesse que os dois eram irmãos, acho que teria me afastado da María desde o início. Mas já era tarde demais. Eu já estava apaixonado por ela, e não havia nada que eu pudesse fazer.
Victor era simples e simpático, assim como a María (deve ser de família). Se afastar da María fosse o que eu devia fazer para proteger a nossa amizade, teria feito sem pensar duas vezes.
As mulheres entram e saem da nossa vida, mas uma boa amizade pode durar para sempre. Victor entendia o futuro da internet, estava dentro da comunidade de criptomoedas assim como eu. Seria o melhor networking de todo o projeto.
Tem uma coisa que vocês deviam saber sobre a María: ela é uma pessoa muito boa e simpática. Eu nunca entendi realmente qual foi a razão de ela ter aceitado o convite para conversarmos. Mas depois cheguei à conclusão de que talvez ela queria saber o que se passava.
Tem duas coisas que eu nunca perguntei à María. A primeira é por que ela aceitou o convite. A segunda é se ela tinha qualquer tipo de sentimento por mim.
Eu nunca quis saber o que a María sentia por mim. Não me importava. Eu sabia o que eu sentia por ela e, para mim, isso era tudo que importava.
Nunca cheguei a conhecer quem ela realmente era. Talvez fosse uma pessoa completamente diferente da que criei na minha imaginação. O tempo estava contra mim, só restavam quatro dias. Eu sabia que tinha de arriscar.
María disse “Não”. Eu tentei beijá-la e ela disse não, que estava a conhecer alguém.
Nesse exato momento, a minha mente dividiu-se em três.
A primeira parte pensou: “Talvez ela esteja realmente conhecendo alguém.”
A segunda: “É só uma desculpa para não ser direta e dizer que não gosta de mim.”
A terceira: “Talvez eu tenha sido apressado demais.”
Dividido em três partes, fiquei sem saber por qual caminho seguir. Fiquei sem saber o que fazer. Mas acabei por entender a María. Ela não me conhecia de lugar nenhum, não confiava em mim. Eu era apenas um homem que disse que ela era linda e depois tentou beijá-la.
Ela sabe que é linda, provavelmente já ouviu isso milhares de vezes. Então, eu estava em desvantagem.
Depois de duas tentativas sem sucesso, decidi que talvez devêssemos ficar à beira-mar e conversar um pouco.
Fiquei sabendo mais sobre ela. Uma coisa que me disse foi que eu lhe transmitia paz. E ela me transmitia felicidade somente com o sorriso. Sempre que ela sorria, sentia uma felicidade enorme por dentro. Era como se eu e a María estivéssemos conectados através de uma energia.
Ela conseguia sentir o que eu sentia e vice-versa. Ela começou a falar sobre a sua vida e, lentamente, começamos a nos conhecer melhor.
Pouco depois, disse que estava com frio. Eu dei-lhe o meu casaco. Ficamos a conversar mais um pouco. De tempos em tempos, fazíamos uma pausa apenas para observar o mar e ouvir as ondas. E não havia desconforto. Voltávamos e retomávamos a conversa.
Ela tinha uma alma aberta e um espírito leve. Eu conseguia sentir.
Já estava tarde, tínhamos de voltar. Antes de entrarmos, nos abraçamos. Eu não consegui beijar a boca da María naquela noite, mas aquele abraço foi especial.
A partir desse momento, eu sabia que as coisas não seriam as mesmas entre nós. Mas preferi que fosse assim. Pelo menos ela sabia a verdade.
E lá se foi a noite. Quando cheguei ao meu quarto, o casaco estava com o cheiro dela. Era tão gostoso. Deitei-me um pouco na cama com o casaco, apenas para sentir o cheiro da minha María.
María olhou para mim, chegou perto e disse: “También estoy enamorada de ti.”
E eu beijei-a, não somente com os labios, mas com coração e alma.
Foi um dos momentos mais felizes da minha vida: a sensação de sentir de perto o cheiro dela, o prazer de sentir o gosto da boca dela.
Não podia esperar para possuí-la por completo. Eu tinha uma quantidade inexplicável de amor que queria colocar diretamente dentro dela. E ela queria fazer o mesmo.
Fomos para o quarto do hotel. Quando pensei que não podia ficar melhor, María começou a se despir. Ela tinha um corpo angelical. Depois de tirar a roupa, eu beijei-a. Desta vez com as nossas peles coladas. Viajei pelas curvas do seu corpo sem freios, passei a mão nos seus cabelos compridos. Parecia até um sonho.
Olhei no fundo dos seus olhos castanhos. Senti-me completo. Eu podia morrer ali. Toda a pressão que eu sentia sobre ganhar dinheiro, ter bens materiais e ser uma pessoa importante desapareceu. Ela libertou a minha alma.
Deitamos na cama e, lentamente, comecei a lhe dar todo o amor que podia. Finalmente, as nossas energias e os nossos corpos se conectaram de uma forma mais direta. Terminamos, e ela deitou no meu peito. Foi mágico.
Depois de uns minutos, ela disse: “Temos que ir, já estamos atrasados.”
ENTÃO, EU ACORDEI.
Eu não quis acreditar que era um sonho. Tentei voltar a dormir para continuar o sonho, mas não consegui. Só queria voltar para beijá-la novamente, mesmo que fosse no sonho. Mas não conseguia, de jeito nenhum.
A realidade era muito pesada e atormentava a minha mente.
Era o terceiro dia. Nada fazia sentido. A diferença entre o sonho e a realidade era extrema. De um lado, eu tinha a mulher da minha vida. Do outro, a mulher da minha vida dizia ter alguém.
Levanto-me e vou ao ginásio. Mas sem sucesso. María não saía da minha cabeça. Pensava nela todos os momentos do dia. Parecia até um feitiço.
Toda a vez que ela olhava para mim, sorria. Mas o sorriso dela já não brilhava como antes. Dava para perceber um tom de falsidade. Talvez não fosse por ser falsa, talvez apenas não soubesse como reagir, e o sorriso se tornou a sua defesa.
O que eu mais amava nela foi perdido no dia em que tentei beijá-la. Ela sorria com outras pessoas, mas eu nunca mais recebi um sorriso sincero.
Ela não conseguia nem olhar para mim. Parecia que me desprezava. O seu comportamento em relação a mim mudou radicalmente. E foi assim pelos próximos dois dias.
Finalmente, chegamos ao sétimo dia. O último dia. Eu sabia que, depois disso, nunca mais voltaria a vê-la.
Não houve um momento em que fiquei sem pensar nela.
E lá se foi María.
Ela me deu um abraço de cinco segundos. Cinco segundos é muito pouco. Se dependesse de mim, ficaríamos abraçados por uma hora. Mas não. Foram cinco segundos.
Olhei nos olhos dela pela última vez. Tentei ver se eles revelavam o que ela estava sentindo. Mas não achei nada.
Era apenas frieza e indiferença.
Espero que ela me odeie. Espero que aquele olhar frio fosse por causa do ódio que estava sentindo no coração.
Na dinâmica de um relacionamento, não existe nenhuma situação em que duas pessoas se amam da mesma forma e com a mesma intensidade.
A partir do momento em que comecei a gostar da María, fiz com que ela se posicionasse no lado oposto. Talvez esse tenha sido meu erro.
Eu amei a María. Se ela nunca me amou, espero que ela tenha me odiado. Isso não me magoaria, porque pelo menos ela sentiu alguma coisa (mesmo que não fosse um sentimento positivo). Espero que ela tenha tanto desprezo por mim que nunca mais queira ver a minha cara, que o seu coração se encha de ódio toda vez que ouvir o meu nome.
Eu nunca vou te ver de novo, María. Talvez seja melhor assim. Talvez você fosse me distrair do meu propósito. Talvez, ao dirigir para casa, eu sofresse um acidente de tanto pensar nos momentos que tivemos juntos. Talvez pudesse dar certo no início, mas depois você iria partir o meu coração.
Tudo acontece por alguma razão. Ainda não descobri qual é a razão de não ter beijado a tua boca pelo menos uma vez, ou qual é a razão de eu não colocar todo o amor que sinto dentro de você.
Eu não te mereço. Você é muito boa para mim. Eu não consigo cuidar de ti e dar a vida que você merece. Eu ainda não sou a melhor versão de mim mesmo.”
Eu me pergunto o que teria acontecido se eu tivesse beijado a boca da María naquela noite, se ela também estivesse interessada em mim, se eu conseguisse colocar o meu amor dentro dela. Aposto que existe outra realidade alternativa em que tudo isso aconteceu. Mas sabe qual seria a diferença? Nessa outra realidade, eu não gostava assim tanto da María. Como eu disse, não existe um relacionamento em que duas pessoas se gostam da mesma forma e com a mesma intensidade.
Existem dois pesadelos na vida: um é não conseguir o que queremos; o outro é conseguir. Às vezes pensamos que queremos algo e que a nossa vida vai mudar depois de consegui-lo, para depois perceber que, quando finalmente conseguimos o que queríamos, passamos a querer a próxima coisa. Nunca é suficiente. O nosso coração deseja sempre mais.
Se eu pudesse voltar atrás e escolher entre as duas realidades—uma em que eu gosto mais da María e outra em que a María gosta mais de mim—não teria escolhido. Deixaria na mão do destino e do acaso. O meu coração não tem preferência por preferências. Eu aceito a vida. Não questiono, não reajo, apenas aceito.
O engraçado sobre a vida é que aquilo que nós queremos aparece quando não estamos preparados, e quando estamos preparados, não conseguimos encontrar o que queremos. A existência não está programada para nos proporcionar paz. E se ficássemos juntos, era exatamente isso que eu teria: PAZ.
Com a María, eu não precisaria de mais nada. Só tê-la comigo seria suficiente.
Eu não posso dizer que amei a María, porque nem sequer sei o que é amor. Tudo que posso dizer é que não me importaria de sacrificar o resto da minha vida para cuidar dela e dos filhos. (Eu acho que isso é amor.)
Eu ainda consigo ouvir a sua voz na minha cabeça, o inglês com sotaque espanhol.
Eu consigo fechar os olhos e vê-la sorrindo e cantando para mim à beira-mar. Consigo sentir o cheiro que ela deixou no meu casaco. Consigo respirar fundo e sentir a energia dela, como se nunca tivesse saído.
A mulher que o meu coração desejou, mas que o destino não me deu. Vou tentar guardar e manter a memória dela viva para me confortar quando precisar.
Na manhã seguinte, eu acordo. Todos se foram. Na verdade, sobraram alguns. Mas María se foi. Existe um vazio enorme no meu peito. É como se alguém tivesse tirado um pedaço de mim.
Abro a janela. Estava a chover. Na música Verano Sin Ti, há uma frase que Bad Bunny diz: “En mi cuarto está lloviendo y está el sol”. Mas não era esse o caso. Lá fora chovia, e o meu quarto também. O universo estava triste por mim e comigo.
Estava rodeado de pessoas, mas é como se estivesse sozinho. Só penso nela. No sorriso dela. Nos olhos dela. Nela.
Talvez haverá outras Marías na minha vida, mas nenhuma delas será como a Del Val.